Pesca e tecnologia

Quando me pediram para escrever qualquer coisa relacionado com a tecnologia que usamos na pesca fiquei indeciso por onde começar. Pela electrónica dos  motores com GPS e sonares em tempo real? Ou pela mecânica dos motores de alta performance dos barcos? Ou pelas comunicações onde os smartphones com as redes sociais onde se ensina tudo e mais um par de botas e se mesmo assim se não ensinar o smartphone ainda nos permite ligar ao tal amigo que sabe mais que o google e a wikipedia juntos?

O mais óbvio seria a electrónica pois é a parte que mais me fascina, no entanto a pesca em si fascina-me muito mais que tudo o resto, portanto o melhor é começar pela pesca, e nada melhor que começar pelo início.

O meu início na pesca foi o mais básico que pode haver: Uma cana da índia com  anzol e um metro de “fio de coco”,encontrada perto de uma ribeira onde passava os meus dias de verão com uns amigos de escola, todos dias no final de almoço, deitava-mos pedaços de pão que sobrava do almoço, na água e era esperar os peixes aparecerem na água rasa, perto de mim, e com a linha na mão e uma bola de pão no anzol tentava que algum mordesse. Claro que sempre me questionei o porquê de no meio da linha ter uma coisa de plastico, branca e vermelha, que mais tarde fiquei a saber que era uma boia e que servia para saber quando os peixes “picavam”  o que permitia pescar em sítios mais fundos e sem ter que estar a ver os peixes… Hoje isto é algo banal mas à meio século atrás e para um miúdo de seis anos era tecnologia ao mais alto nível. Passados uns dois anos e num dia que acompanhei uns primos mais velhos e uns amigos deles, numa pescaria a um açude numa herdade aqui perto de casa tive contacto com com uma tecnologia muito mais avançada! Um dos amigos dos meus primos tinha uma coisa chamada “carrete”! Aquele “engenho” dava para fazer lançamentos e assim pescar mais longe que os outros! E toda a gente sabe que os peixes estão sempre do outro lado… Escusado será dizer que foi pedir e implorar que me comprassem um carreto, pois aquela maravilha tecnológica é que ia fazer com que apanhasse os peixes todos. Com muita sorte e sacrifício, lá comprei um carrete usado a um colega de escola, para descobrir que, afinal aquela maravilha da tecnologia não era grande ajuda, pois o local onde eu pescava era relativamente estreito e a cana chegava bem ao outro lado do pego, e o carrete só servia para emaranhar o fio… Portanto era altura para explorar novos locais de pesca!

Com tudo isto aprendi duas ou três coisas importantes sobre tecnologia. Primeiro: podemos até ter a tecnologia, mas nem sabemos bem para que serve, ou como funciona. Eu tinha uma boia e não fazia a menor ideia da sua utilidade. Segundo: por vezes temos a tecnologia, sabemos utilizá-la mas não é a tecnologia adequada ao que precisamos. E em terceiro lugar a tecnologia serve para evoluir, para fazer o que sempre se fez, usamos o que sempre usamos!

Lição aprendida, a evolução foi muita e a tecnologia também! Até que chega o dia em que a pesca fica direcionada apenas para os achigãs e como as pernas já cansavam de percorrer margem ou de dar à barbatana, chega-se à tecnologia do barco e motor! 

Como a tecnologia da comunicação já era alguma e à algum tempo, pois mesmo antes da internet e das revistas americanas da especialidade, as revistas de pesca francesas e inglesas eram de habitual compra, e mesmo antes de ter o tal barco, já sabia da existência de uma coisa chamada sonda, uma tal maravilha tecnológica que até era proibida de usar na pesca por terras de França, tal não era a sua eficácia na pesca!

Disto isto escusado será referir que não tardou a ser adquirida uma dessas maravilhas. A primeira a chegar-me às mãos era uma coisa chamada “flasher”, que era muito útil segundo os americanos, mas que eu não achei utilidade nenhuma e depressa ficou esquecida.

Entretanto, e porque era preciso ter sempre outra melhor, mais sondas vieram embelezar a consola do meu barco, serviam basicamente para entreter os parceiros de pesca que me acompanhavam que ficavam fascinados com a quantidade e o tamanho de peixes que viam no ecrã! A essa altura, para mim, uma sonda era como um instrumento musical para uma pessoa que não sabe música: Sabemos como se usa, mas não lhe sabemos dar uso!

A verdade é que com ou sem sonda lá se fazia umas capturas, e lá se foi dando alguma utilidade ao investimento, basicamente ler a profundidade e temperatura, e algumas tentativas de perceber o relevo dos fundos. E foi aí que percebi que o “aparelho” devia estar avariado… Muitas experiências e muita pesquisa depois cheguei à conclusão: Eu não percebia absolutamente nada daquela matéria! Pior ainda foi quando comecei a tentar aprender com outros pescadores e percebi que eles ainda nem sequer tinham chegado a essa conclusão, e consequentemente, a ajuda não seria fácil.

A solução foi meter mãos à obra e começar a estudar o assunto. O que é? Como funciona? O que realmente se vê? Porque se vê?  Foram muitas horas de pesquisa e leitura, mas sempre aprendi qualquer coisa… A informação não era muita mas existia alguma, hoje encontramos mais facilmente informação, no entanto mais facilmente encontramos desinformação… Aconselho a quem quiser tentar entender alguma coisa deste assunto, esqueça as tertúlias de pesca e entre pelos caminhos da física, descobrindo coisas como efeito piezoelétrico, propagação do som, atenuação, frequência, e outra bicharada desse tipo.

Mais ou menos entendida a tecnologia sonar, depois de perceber o básico: Frequências, cones, RTS (agora já dava jeito o flasher), e nesta altura já conseguia tirar algum proveito da tecnologia, sem ser apenas o embelezamento da consola.  Quando da captura de um peixe, passava lá com o barco por cima do local da captura e  já conseguia pelo menos saber o que se passava lá embaixo, a profundidade, como era a orografia e a constituição do fundo. Depois era só procurar locais semelhantes e pescá-los. Além disso, e com a ajuda de um artigo numa revista americana que ainda guardo religiosamente, a pesca vertical começou a ser mais fácil, pois agora e com uma sonda na frente do barco até conseguia ver os peixes a avançar para o isco! De salientar que por esta altura, a sonda era apenas uma sonda a preto e branco e com uma resolução de ecrã de 240 por 240 pixels, mas servia e bem para o propósito. No entanto agora começava a fazer falta outra tecnologia… Como guardar os locais que se descobriram na sonda? Aí entra o GPS, ainda que inicialmente só na sonda da consola, mas depressa  a necessidade de GPS à frente se fez sentir, em especial na pesca vertical e afastado da margem.

Embora toda  esta tecnologia fosse uma preciosa ajuda, o sonar ainda tinha as suas limitações, a leitura do fundo apenas era feita numa faixa muito pequena, e para sondar, pois apesar de se dizer que um cone de 60° (quando usamos os 83 KHz na maioria das sondas) vai cobrir uma faixa do fundo igual à profundidade, na realidade nada disso acontece e o que nos surge no ecrã é algo como  um corte transversal do fundo, o que implicava muitas passagens paralelas e pouco espaçadas entre si, quando se procurava algo específico, tal como pedras, ou drops ou qualquer outro “acidente” que interessasse. Por esta altura uma marca de referência lança no mercado uma tecnologia que vinha  mudar essa limitação: Uma sonda que fazia leitura do fundo lateralmente. Agora com apenas uma passagem do barco conseguimos sondar uma faixa de vinte ou trinta metros e com uma resolução de imagem de grande qualidade. Até devia ser proibido! Dizia-se… Claro que outras tecnologias surgiram, como por exemplo uma outra marca revolucionou o mercado com uma tecnologia com uma excelente definição de imagem no sonar convencional, aquele que tem a limitação de “ler” uma faixa muito pequena em cada passagem, e que se generalizou dizer que era o “melhor”, ora como “melhor” é um adjetivo relativo, não vale a pena sequer opinar sobre isso. 

Mesmo com estas maravilhas da tecnologia, continuava a existir limitações, a mais notória é  de todas é a necessidade de existir movimento no sentido do transdutor para que o ecrã nos mostrasse uma representação minimamente fidedigna do fundo, pois quando não há movimento a leitura é feita sempre no mesmo ponto. Com o surgimento no mercado de outra maravilha tecnológica, que é o motor elétrico com âncora electrónica, tinha agora a possibilidade de fazer pescas com o barco parado e sem sair do mesmo local, fossem essas pescas horizontais ou verticais. Era agora que dava mesmo jeito um sonar que funcionasse mesmo com o barco parado. 

À falta desse sonar, a forma alternativa de “ver” era ter um mapa topográfico do fundo das barragens, e assim ter a percepção pelo menos dos desníveis e do alinhamento subaquático de bicos e valas. Aqui a tecnologia não existia, mas como existia tecnologia para produzir essa tecnologia, foi meter mãos à obra. Agora até mesmo a distâncias muito superiores aos vinte ou trinta metros conseguia procurar, embora sem a precisão do sonar, as zonas com estruturas ou “acidentes” que me interessavam. 

Mas como a tecnologia avança cada vez mais rápido, não demorou a surgir os tais sonares sem necessidade de movimento, a que se começou a chamar “sonares de ver para a frente” embora na verdade eles consigam ver para todo lado…

Sendo estas as tecnologias mais actuais e pressupondo que todos nós dominamos as tecnologias mais antigas, identificando facilmente a orografia e a constituição dos fundos, identificamos facilmente os peixes, as pedras, paus e tudo o que seja apresentado na sonda, e que temos a noção da sua localização relativa ao barco  e que sabemos usar toda essa informação, vamos falar um pouco mais alargadamente sobre estas novas tecnologias.

Os chamados sonares de ver para a frente, podem ser de dois tipos diferentes: os chamados  sonar “live” onde é possível ver em tempo real, e o sonar “360”, que mais não é que um sonar de visão lateral com movimento angular próprio.

As principais diferenças entre os dois tipos de sonar são a velocidade de actualização do ecrã, que está relacionada com a velocidade de leitura, e que dá uma enorme vantagem aos chamados “LIVE”, nestes sonares não existe movimento físico, mas sim electrónico, conseguindo velocidades de actualização de ecrã superiores a vinte vezes por segundo, criando a sensação de movimento aos nosso olhos, ao contrário do sonar 360, que para  conseguir uma actualização completa de ecrã precisa de vários segundos. 

Outra diferença é a definição, o 360 ao ser, nada mais nada menos, que um sonar de visão lateral, consegue ter uma definição e qualidade de imagem excelente e ao mesmo nível de qualidade dos sonares laterais, já os chamados “live” ficam a perder um pouco neste campo, pois para terem velocidade, perdem tempo de processamento, e dependendo das marcas (existem dois sistemas diferentes que não sei se vale a pena explicar detalhadamente as diferenças), ou perdem definição com a distância, uma vez que a propagação do som emitido é feita em um único cone, a área onde o som é refletido aumenta com a distância. o segundo sistema minimiza este problema ao repartir o cone em três cones mais pequenos unido os sinais resultantes e interpolando-os entre si, melhorando  assim a definição, mas criando problemas na zona de união dos mesmos com imagens fantasma e zonas de sombra.

A última das grandes diferenças entre os sonares 360 e os live, são os ângulos de “visão”. O ideal e o que mais é desejado pelos pescadores é o “360 live”, ou seja um sonar tipo “live” mas com um ângulo de “visão” de 360 graus. Claro que esta tecnologia até pode ser a próxima oferta de mercado, mas será útil? Por enquanto é apenas um desejo. Vejamos, quando se diz 360º fala-se apenas do ângulo horizontal, mas depois o ângulo vertical não pode ser de 360º, primeiro porque não é necessário, pois não nos interessa o que fica do transdutor, ou da superfície da água para cima, e em segundo lugar teríamos o problema da representação  gráfica tridimensional num ecrã bi-dimensional, a não ser que se usasse o método perspectiva, que afinal já existe. O sonar 360, não é mais que uma representação em perspectiva do espaço subaquático  360º em redor do transdutor e desde a superfície até ao fundo uma vez que o ângulo vertical é de cerca de 90º, e embora o ângulo horizontal seja mínimo, o movimento angular do transdutor vai incrementando esses pequenos ângulos até perfazer os 360º, disponibilizando-nos assim uma representação de todo o espaço subaquático ao nosso redor quase em tempo real, com atualizações espaçadas de poucos segundos. Quanto ao sonar live, esta tecnologia, tem um ângulo vertical entre 135º e 120º, o que serve perfeitamente para visualizar toda a zona à nossa frente desde a superfície até ao fundo, no entanto, e como o ângulo horizontal é de apenas 20º voltamos ao mesmo problema do sonar convencional: Apenas visualizamos uma faixa muito estreita à nossa frente. No entanto, temos a possibilidade de rodar o nosso transdutor, o que ajuda a visualizar o fundo 360º em redor, embora sem guardar histórico.

Agora que já abordamos algumas das principais tecnologias usadas na pesca, vamos pensar apenas nas mais recentes. 

Primeiro que tudo, e porque o tema vem sendo globalmente abordado vamos pensar na proibição ou não deste tipo de sondas de ver para a frente. Muitos defendem que sim, eu simplesmente pergunto porquê esta? Porque não todas as outras anteriores? Tem vantagens? Claro, tudo nos dá vantagem quando usado corretamente. Mas como cada um deve opinar por si, seguimos em frente.

Qual a melhor tecnologia? Live ou 360? Na minha opinião são coisas diferentes e distintas e cada uma serve o seu propósito, fazer uma escolha seria como escolher entre uma colher e um garfo sem saber o que seria a refeição… O live tem como  vantagens a possibilidade perceber a reação dos peixes, no entanto e embora também seja uma ajuda na localização de  quaisquer estruturas ou coberturas no fundo, essa localização é instantânea e perde-se com o movimento do barco, sendo necessário o rodar do transdutor para nova pesquisa e localização. Localizar qualquer coisa estática é bastante fácil e de muita utilidade, mas localizar algo em movimento, como um cardume de alburnos ou um peixe já se torna mais complicado pois não é fácil prever o sentido do movimento. Uma vantagem que muitos procuram e encontram no sonares tipo live, é a capacidade de poder ver o isco e o peixe em tempo real, não discordando, entendo que a capacidade de ver o peixe é sem qualquer dúvida uma vantagem, quanto a ver o isco, acho que qualquer pescador facilmente tem a percepção real de onde está o seu isco em qualquer momento, mas talvez não seja assim… Na minha opinião as maiores vantagens dos sonares tipo live é a capacidade de eliminar zonas possíveis de pesca, e quem faz competição poder localizar peixes activos sem ter que os capturar, durante os treinos de pré-pesca. Apesar de tudo temos algumas limitações, pois a necessidade de rodar o transdutor para o posicionar na direção pretendida, pode limitar-nos a utilização do motor eléctrico, e mesmo com os actuais sistemas de controlo independente do transdutor, a sua rotação implica sempre a intervenção do utilizador, o que penaliza sempre a acção de pesca. No entanto uma nova tecnologia minimiza e muito esta dependência do utilizador, mas sendo ainda muito recente não vou fazer nenhuma abordagem a essa tecnologia.

Por fim temos o sonar tipo 360, a sua grande desvantagem em relação ao live é mesmo a falta de movimento no ecrã em tempo real, logo não é tão fácil a identificação dos peixes , uma vez que apesar de apresentar uma nova imagem a intervalos de poucos segundos, tudo o que se vê no ecrã está estático, o que para quem possa ter alguma dificuldade em interpretar uma imagem de sonar, pode ser um problema, ao contrário do live que, quando os peixes se movimentam, conseguem-se identificar facilmente. De salientar que mesmo no live, a maioria dos peixes podem estar parados e até colados ao fundo, portanto para uma boa utilização de quaisquer tipos de sonar é sempre importante saber interpretá-lo, e não esperar que o peixe assinale a sua presença. 

A grande vantagem do sonar tipo 360 é a sua total automação, dispensando qualquer interação do pescador a não ser olhar para o ecrã e interpretar o que vê, sendo que pode visualizar tudo em redor do barco e perceber facilmente onde se localiza os potenciais locais de interesse a pescar, como estruturas e coberturas ou até peixes. Peixes que podem ser cardumes de peixe pasto, conseguindo-se seguir estes muito facilmente. Outra vantagem que complementa a anterior é a definição e qualidade que a representação é feita quando usamos frequências na casa dos megaHertz neste tipo de sonar.

Por fim, vamos abordar a pergunta que todos fazem: Qual dos dois é o melhor? A minha opinião é que não existe “melhor” nem “pior”, são ferramentas distintas, cada uma com as suas capacidades. Como ferramentas que são, de nada servem a quem as não souber usar, por muito engraçado que seja a sua visualização, devemos sempre pensar se ajudou ou se poderia ter ajudado.

Quem acompanha as competições internacionais com alguma regularidade, e presta atenção a pormenores, decerto já reparou que a maioria das vezes os pescadores não estão a utilizar estas tecnologias, e por vezes nem sequer as sondas estão ligadas. Devemos perguntar-nos os porquês e a razão para tal… Serão estas maravilhas da tecnologia, que alguns acham tão eficazes que deveriam ser banidas das competições, afinal uma verdadeira inutilidade? Ou será a abordagem e a forma de pescar que é diferente? Para que queremos afinal tanta tecnologia? Para na água rumar aos pesqueiros conhecidos? Um simples telefone hoje serve para nos levar aos locais já conhecidos, mesmo para os pescadores de pouca memória visual… Para ter a certeza que foi um peixe que puxou a linha? Cada um faz a utilização que entende… 

Estas são as minhas opiniões baseadas nas minhas vivências, nas minhas pesquisas e estudos, claro que como qualquer outra pessoa, posso estar completamente errado, e pode e deve haver por aí quem discorde total ou parcialmente,e que pode ou deve opinar sobre o tema, o que será sempre benéfico para o progresso! Como dizia aquele que Einstein considerou o homem mais inteligente de sempre: ”A tecnologia de nada vale se não houver progresso!”

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